Entenda por que é lindo ser católico!
Nesta aula, além de apresentar o curso “Ferro e Fogo”, Padre Paulo também explica qual é a essência da vida cristã, pela qual podemos participar da natureza divina e ser transformados por Deus.
É uma grande alegria lançar este curso “Ferro e Fogo”, projeto muito significativo para mim. Produzir esta série de aulas foi como a realização de um sonho, porque há muito tempo eu venho refletindo sobre como apresentar aos meus alunos uma síntese daquilo que verdadeiramente é a fé cristã.
Vemos muitas pessoas — especialmente na internet — se dispondo a estudar, porque querem ser mais do que católicas, querem ser santas. Uns acham que para ser católico de verdade é preciso estudar bastante, então se dedicam com afinco ao Catecismo; já outros não se contentam com essa metodologia, preferindo apenas rezar e seguir os Mandamentos. Mas lhes falta alguém que mostre como todas essas coisas se encaixam, especialmente no âmbito do projeto de Deus para as nossas vidas.
É justamente isso que se propõe este curso. Eu já havia tentado fazer esta síntese muitos anos atrás, mas sem sucesso, pois me faltava maturidade; agora talvez, depois de 33 anos de sacerdócio, este projeto se consolide. Tenho consciência de que, mesmo hoje, estas aulas, que fazem parte da minha missão, ainda não estão completas — talvez no futuro eu organize outros cursos na tentativa de levar meus alunos a níveis mais elevados de entendimento. Este, da forma como aqui vai, foi o que gravei em Cuiabá, na festa dos 19 anos do nosso site.
Pessoas de diversas regiões do Brasil vieram participar das gravações, tendo portanto a experiência de assistir às aulas ao vivo. Ao fim, pude notar, diversos alunos estavam “overwhelmed”, como dizem os americanos, ou seja, boquiabertos, espantados com a profundidade do conhecimento. Essa reação dos alunos também me surpreendeu, porque era mais do que eu esperava.
O “Ferro e Fogo” não é um curso para ser assistido uma única vez. Portanto, recomendo, para quem gosta de maratonar os cursos do site, voltar a estas aulas, porque é preciso extrair o máximo desta exposição da nossa identidade cristã — que também é a identidade do meu apostolado.
Mantenho esse apostolado na internet há 19 anos. E as pessoas, assistindo aos cursos e a todo o conteúdo disponibilizado no site, procuram saber em que sou especializado — porque falo sobre diversos assuntos. Curiosamente, sou mestre em direito canônico, mas só raramente falo sobre esse tema nas aulas. Ora, nós católicos queremos sempre ver o todo, a realidade completa criada por Deus, não apenas um recorte dela. Daí essa quantidade formidável de assuntos sobre os quais eu falo aqui.
Recentemente, conversando com uma senhora que se converteu à fé católica — ela era protestante —, a mulher relatou que sentia como se sempre tivesse pertencido à Igreja. Porque, antes da sua conversão, ao estudar a Bíblia, ela tinha vislumbres da verdade. Mas depois, quando se dispunha a estudar temas mais científicos, como psicologia e neurologia, tinha a impressão de que essas coisas entravam em contradição com a fé. As explicações protestantes eram insuficientes para ela, pois diziam que a razão, afetada pelo pecado original, devia ser abandonada. Aquela senhora sentia em seu coração a necessidade de uma síntese.
E então, ao conhecer o nosso site, a mulher, que esperava ouvir exposições apenas sobre a realidade espiritual, ficou impressionada porque aqui eu também falo sobre neurologia, sociologia, história, literatura e outros temas diversos. Ela confessou que não esperava de um padre essa abrangência temática.
Estou citando esse testemunho porque minha resposta àquela mulher também é válida para os frequentadores do site: Deus é a própria verdade, o que implica dizer que não há verdade científica na qual Jesus não esteja presente. Aliás, Ele mesmo disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Portanto, fé e ciência só entram em conflito para aqueles que jamais quiseram fazer o esforço da síntese e, com isso, compreender as coisas profundamente.
Não pretendo falar de verdades científicas neste curso, mas quero fazer as pessoas entenderem o porquê da variedade temática do site — são mais de 50 cursos disponíveis na plataforma. Por que falar sobre “O Senhor dos Anéis” e, ao mesmo tempo, sobre moral, psicologia, afetividade; sobre a Bíblia, mas também sobre o magistério da Igreja e os sacramentos? Ora, porque precisamos nos dar por inteiro a Deus, sem nos retalharmos em pedacinhos. É como disse Santa Teresa d’Ávila: “Darse todo al Todo, sin hacerse partes”, ou seja, devemos nos dar por inteiro àquele que é o todo, Deus.
Jesus disse: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32). Mas as pessoas vivem como cativas da mentira porque só conhecem aquele pequeno recorte da realidade limitado por uma especialização. Elas veem a pluralidade do mundo, mas não fazem a síntese — trabalho que exige muitos anos.
Assim, este curso é a minha primeira tentativa de apresentar um pouco da minha própria síntese interior que fiz ao longo dos anos. Apresentarei aqui algo bastante resumido, enxuto, porque temos de nos adaptar ao ouvinte. Esta série de aulas gravada no aniversário do nosso site foi um presente para mim, que agora tenho a alegria de entregar a todos os alunos.
Antes de ingressarmos propriamente no tema do curso, vamos nos deter um pouco no adjetivo que nos qualifica.
A palavra “católico” vem do grego “κατὰ τὸ ὅλον” [katà tò hólon], que quer dizer “conforme o todo”. O sufixo “ὅλος” [hólos] nos remete a uma palavra bastante em voga hoje em dia: “holística”. Uma visão holística é uma visão global. Mas, antes de inventarem o referido termo popular, já tínhamos havia dois mil anos uma palavra derivada de “conforme o todo”: “καθολικός” [katholikós]. Estamos em busca dessa visão católica da realidade.
Na verdade, essa necessidade de síntese, de ter uma visão do todo, é uma obrigação para o católico. É por isso que dizemos que o contrário da religião católica é a heresia, do grego “αἵρεσις” [hairesis], que significa “escolha”. Ou seja, é a sina de “escolher”, de um conjunto, a verdade mais “agradável”.
Mas quero que meus alunos tenham essa experiência de ver um padre maduro fazer uma síntese da fé — farei 58 anos de idade e já sou padre há 33 anos. Portanto, há muito tempo venho estudando, rezando e refletindo sobre coisas aparentemente contraditórias, como sociologia e música. Todo esse esforço é para enxergar que, longe de ser uma cacofonia, a realidade é uma sinfonia harmônica criada por Deus.
E, ao fazermos essa síntese, vamos começar a enxergar como ficamos inteiros nas coisas. De fato, só Jesus é homem inteiro, nós vivemos como que retalhados; mas digo para ficarmos inteiros a fim de mostrar como tudo deve caminhar em direção à harmonia.
As pessoas ficam espantadas com a minha pessoa porque, ao mesmo tempo, sou brincalhão e sério, intelectual e faixa preta em karatê, sou tradicional mas também aberto a novidades. Ora, somos chamados a ser católicos, o que significa que temos de ter uma visão do todo. Nosso único modelo é Jesus, mas aqui neste curso apresento a experiência de um pedaço de homem — eu — tentando ascender à completude, à inteireza. Eis a missão que recebemos de Deus.
Comecemos então a ingressar propriamente no tema do curso.
Deus quer que sejamos participantes da sua natureza divina, divinae consortes naturae. Esta expressão, que tem um caráter filosófico, é usada por São Pedro: “O seu divino poder nos presenteou com tudo aquilo que contribui para a vida e para a piedade, mediante o conhecimento daquele que nos chamou por sua glória e força poderosa” (2Pd 1, 3). Ora, o Senhor nos concedeu tudo quanto é preciso para a Vida — “ζωή” [zoē] não é a vida biológica, mas a vida nele. E nós só chegaremos lá mediante o conhecimento de Deus que vem pela fé. Pois por essa vida e pela piedade, como diz o Apóstolo, “foram-nos concedidas as maiores e mais valiosas promessas”.
Então São Pedro nos apresenta aquilo que é o mais valioso da vida católica: “A fim de que vos tornásseis participantes da natureza divina” (2Pd 1, 4).
Nossa felicidade é própria da nossa natureza humana; se fôssemos um cãozinho, nos contentaríamos com aquilo que é próprio da natureza canina. Os animais não são capazes de sentir as alegrias nem as tristezas que nós sentimos. Nunca veremos um cachorrinho tristonho, deprimido, desgostoso da vida. As coisas são assim porque os animais não buscam aquela felicidade elevada que só nós buscamos.
A grande heresia dos nossos tempos — lembremos, “heresia” em grego quer dizer “escolha” — é trocar a felicidade do Céu pela felicidade animal, e isso consiste na entrega desenfreada aos prazeres carnais, às satisfações corporais. Mas isso para nós é insuficiente. Daí o uso de drogas para amenizar essa angústia da existência — e a principal droga hoje é o celular, que destrói a nossa capacidade de atenção.
Mas o Senhor quer nos fazer viver a felicidade dele, que é a felicidade da Santíssima Trindade. Por isso, Ele quer fazer em nós, não uma lobotomia para que nos transformemos em animaizinhos inconscientes e felizes — como pretendem os ideólogos modernos —, mas um verdadeiro upgrade, uma transformação da nossa natureza. Eis a nossa participação na natureza divina.
E Deus faz isso por meio do envio do seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, gastei bastante tempo para explicar a realidade da Trindade, como veremos nas aulas subsequentes.
E aqui está o mote para o nome deste curso: Deus fez para si, para a Pessoa do Filho, uma humanidade; portanto, na humanidade de Cristo estão unidas — em contato direto — a natureza humana e a natureza divina. É o ferro que está em contato com o fogo. Assim, quando ambas as naturezas se conectam, o ferro começa a se comportar como o fogo.
O Concílio de Calcedônia lançou luz sobre como essas naturezas se comportam: ambas estão unidas, mas não confundidas. Ou seja, Deus é Deus, homem é homem; estão unidos, em correspondência direta, mas não são a mesma coisa. Em Cristo, a natureza divina e a natureza humana estão unidas, mas não misturadas, como se Ele fosse uma quimera, uma espécie de minotauro, metade touro, metade homem. Jesus é Deus e homem por inteiro.
É assim que nós, ao entrar em contato com Ele, participamos dessa sua natureza divina. Esse é o plano de Deus para nós.
Podemos dizer que o conhecimento sobre como isso acontece é uma espécie de introdução para este curso. Santo Tomás de Aquino, na primeira seção da segunda parte da Suma Teológica, na questão 106, fala sobre a lei evangélica. Ou seja, ele quer saber qual é a diferença entre o Velho e o Novo Testamento. Então, no primeiro artigo dessa questão, ele pergunta se a lei evangélica é escrita — uma pergunta aparentemente despretensiosa. Ora, sabemos que Moisés escreveu a Lei de Deus na pedra. E quanto à nova lei?
Santo Tomás, como um grande sintetizador, começa a responder sobre o Novo Testamento citando Aristóteles, que nos diz que “toda coisa parece ser aquilo que nela é principal”. Se formos, por exemplo, definir o que é um carro, começaríamos analisando o motor do veículo, aquilo que o faz andar; não nos preocuparíamos com os penduricalhos, os acessórios. Naturalmente, a principal missão do carro, que é andar, está no motor. De forma análoga, o que de principal Jesus veio nos trazer? O Novo Testamento.
Na Carta aos Hebreus, nós lemos: “Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos pais pelos profetas; nestes últimos dias, falou-nos pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual também fez o mundo” (Hb 1, 1s). E o Filho veio nos trazer a verdade do Pai.
Então, Santo Tomás fala sobre aquilo que é o principal, potissimum; o que é preponderante no Evangelho, a sua essência: “Aquilo que é principal da lei do Novo Testamento, em que toda a virtude dela consiste, é a graça do Espírito Santo que é dada pela fé de Cristo”.
Desse modo, quando temos fé — lembremos que o “justo viverá pela fé” (Hab 2, 4) —, acontece a primeira intervenção divina em nós que é diferente da ação divina que acontece sempre. E essa intervenção de sobrenaturalidade nos faz conhecer a Deus como Ele mesmo se conhece.
Há coisas em Deus que nós não descobriríamos nem se tivéssemos o talento dos maiores gênios, dos maiores filósofos da história. São coisas que só Ele pode revelar. São Paulo faz uma comparação bastante didática: quem conhece o coração do homem senão o espírito do homem?
Acontece que o Espírito Santo nos toca, mesmo se formos pagãos. Foi o que aconteceu com Santo Agostinho. Ele estava no jardim de uma casa em Milão, quando ouviu uma criança cantar: “Tolle et lege, tolle et lege”, “Toma e lê, toma e lê”. Era o chamado para que ele abrisse um volume das cartas de São Paulo e começasse a ouvir a voz de Deus. E tudo isso aconteceu antes mesmo de Agostinho ser batizado; ele não estava em estado de graça, não havia recebido ainda todas as modificações que o Senhor faria em seu coração. Ainda assim, foi capaz de ouvir o Espírito Santo.
A fé de Agostinho ainda não era capaz de movê-lo à conversão. Mas ele decidiu corresponder ao chamado do Espírito Santo e, dizendo “satis”, ou seja, “basta!”, começou a mudar de vida.
Essa mesma atuação do Espírito Santo, nós a vemos na parábola do filho pródigo, que foi tocado, iluminado pela fé depois de saber que na casa do seu pai os escravos tinham uma vida melhor do que a sua, nutrida de lavagem de porcos. Isso o fez decidir voltar para a casa do pai e pedir-lhe perdão. Eis a ação do Espírito que vem por meio de Cristo. E é assim que termina a explicação de Santo Tomás: “A lei nova é a própria graça do Espírito Santo que é dada aos fiéis em Cristo”.
No monte Tabor, na presença dos seus amigos íntimos, Pedro, Tiago e João, Nosso Senhor tem a sua Transfiguração, na qual até suas vestes ficaram brancas. Jesus mostra aos seus Apóstolos apenas um fragmento da intimidade da sua oração com o Pai. Moisés e Elias, representando a Lei e os Profetas, conversam com Cristo à vista daqueles Apóstolos. Eles falam sobre a Paixão. Sem entender nada, Pedro, achando muito bom estar ali, sugere construírem tendas para abrigar Jesus, Moisés e Elias. Então, uma voz do Céu diz: “Eis o meu Filho, o eleito”. Ora, quando enfrentamos sofrimentos nesta vida não nos sentimos eleitos. Mas ali Deus Pai está mostrando que Jesus é eleito porque foi escolhido para amar; é o ferro que, em contato com o fogo, reluz. Eis a fonte do amor que vemos na cruz, é sobre isso que Santo Tomás está falando.
O aparente fracasso da cruz vai nos escandalizar, mas ali há um fogo, que é o amor, o Espírito Santo, aquele que realiza em nós a transformação. Jesus, o “Χριστός” [Christós], “O Ungido”, está presente; mas a transformação profunda em nós vem por meio do Espírito Santo.
Este curso “Ferro e Fogo” nos apresenta o caminho das pedras para ingressarmos de vez nessa dinâmica. As aulas têm um caráter misto, umas são bastante exigentes; outras, consoladoras. Alguns alunos do site disseram também que as aulas são “energéticas”, porque fazem arder os corações.
Temos, portanto, um farol, a síntese de tudo aquilo que cremos. É fundamental ter uma visão católica, isto é, abrangente, integral da nossa salvação. E essa síntese abrange todos os elementos da nossa fé, desde a moral aos sacramentos, desde a dogmática até a história.
Então, este curso fica sendo meu pequeno testamento, minha singela herança aos alunos e frequentadores do site. No futuro, quando Deus me der mais maturidade, afiar o meu juízo, então faremos uma nova síntese, pois isso deve ser feito constantemente nesta nossa caminhada rumo ao Céu. Por ora, o que temos é esta síntese que também é uma tentativa de fazer um voo de águia. Das alturas, queremos ter a visão do todo, da magnitude da beleza que é ser católico.